Ah, Dionísio... Minhas mãos são feias
Não são dignas de lhe tocar a face
O que somente me é permitido
é acomodar a caneta entre os dedos
e lhe afagar no papel
Os que cercam-me acham injusto
eu lhe devotar assim,
o impossível
me interessa muito, vos digo
Todavia, o platonismo deste momento
me corrompe as veias todas
Seus olhos verdes
profanaram toda minha desventura
de viver assim
Assim, rabiscando profundidades
Não quero ninar esta imprudência,
mas ela cai no meu colo implorando por zelo
Discuto comigo mesma,
perco-me em reflexões
Sei o caminho que devo tomar,
e vou por outro
O mais oculto, inacessível
Venho sonhando contigo, Dionísio,
até dormindo
Sonhos quentes,
como o verão que se aproxima
Posso dizer
que sinto pena dos homens
que me perdem?
Essa é uma constatação
quase que irreproduzível,
se tu me conhecesses além,
verias que sou humildezinha,
quase vil
Mas sinto pena deles,
porque poderiam virar livros
se quisessem
Tu, por exemplo
Não sei se socorrerás
a centena de poemas
que se atravancaram no meu lirismo
Das vezes que me leu,
não disse-me nada
Talvez lhe tenha ofendido
com a minha pretensão poética
Mas não quero lhe imaginar
tão vaidoso e mesquinho,
ao ponto de silenciar-se
diante do meu afeto gritante
Se eu fosse indiferente,
tu serias o que?
Título: Manuel Bandeira
Um amor Dionisíaco é quase irreversível.
ResponderExcluirMinha insanidade também.
ExcluirNo mundo real é realmente injusto, mas, no campo poético do platonismo, Dionísio é sua maior inspiração e já transcendeu, com a beleza de suas palavras, a realidade.
ResponderExcluirseria uma indiferença...ou não!
ResponderExcluirHellen, tu sempre faz o lindo tão belo, tu tens a arte de retoques, incluindo novos tons na tua poesia que sempre me parece uma pintura. Tu me incita a procurar nas entrelinhas e tua poesia tem momentos de filosofia e eu não sei se te agradeço ou me desespero, tu conduz bem o contraditório, Walt Whitman te aplaudiria, eu também. Sigo o mestre.
ResponderExcluirAbraço e boa semana.
Ah, as lamentações... O eu-lírico rasteja em busca de sol, em busca de amor, mas não há nada mais contraditório do que os raios-ultravioletas que lhe transpassam a carne frios e sem um cadinho de calor. Gostei do poema. :)
ResponderExcluir"Ah, Dionísio... Minhas mãos são feias não são dignas de lhe tocar a face
ResponderExcluirO que somente me é permitido é acomodar a caneta entre os dedos" Estupefato! Que dizer diante disso... Tu é linda, impressionante, irreprimível, poetissima. Estrela de primeira grandeza, ilustre e injustiçada desconhecida, és um fenômeno, na minha singela opinião. Ficas devendo nada a Florbela Espanca, Cecilia Meireles, e outras que os nomes me fogem a memória. Senhorita, Helen.
Recorrente e sempre inédita, sempre autentica, instigante. Interessante, como consegue. Um talento!
ResponderExcluirProvavelmente desconhecido. Talvez pareça a mesma coisa, mas Platão não queria o impossível, apenas o perfeito.
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