sábado, 24 de outubro de 2015

Eu faço versos como quem morre

Ah, Dionísio... Minhas mãos são feias
Não são dignas de lhe tocar a face
O que somente me é permitido
é acomodar a caneta entre os dedos
e lhe afagar no papel
Os que cercam-me acham injusto
eu lhe devotar assim,
o impossível
me interessa muito, vos digo
Todavia, o platonismo deste momento
me corrompe as veias todas
Seus olhos verdes 
profanaram toda minha desventura 
de viver assim 
Assim, rabiscando profundidades
Não quero ninar esta imprudência, 
mas ela cai no meu colo implorando por zelo 
Discuto comigo mesma, 
perco-me em reflexões
Sei o caminho que devo tomar, 
e vou por outro 
O mais oculto, inacessível
Venho sonhando contigo, Dionísio, 
até dormindo 
Sonhos quentes, 
como o verão que se aproxima
Posso dizer 
que sinto pena dos homens 
que me perdem? 
Essa é uma constatação 
quase que irreproduzível, 
se tu me conhecesses além, 
verias  que sou humildezinha, 
quase vil
Mas sinto pena deles, 
porque poderiam virar livros 
se quisessem
Tu, por exemplo 
Não sei se socorrerás 
a centena de poemas 
que se atravancaram no meu lirismo
Das vezes que me leu, 
não disse-me nada
Talvez lhe tenha ofendido 
com a minha pretensão poética
Mas não quero lhe imaginar 
tão vaidoso e mesquinho, 
ao ponto de silenciar-se 
diante do meu afeto gritante
Se eu fosse indiferente,
tu serias o que?


Título: Manuel Bandeira

quinta-feira, 15 de outubro de 2015

Ilusão dionísica

Os cosmos vibram e anseiam
por mais um novo poema

Vênus se entristece por mim, 
por eu não ter mais ânimo pra isso 

Escrever sobre pessoas rasas 
virou meu fado permanente

O homem possuinte dos olhos verdes 
quis me ver passar junto aos transeuntes

Porque eu fui mais uma pessoa
que lhe tocou sem realmente tocar

Nem astros, nem cosmos, 
búzios e cartas 
podem fazê-lo me notar

Eu cheguei nele 
com minhas palavras dispostas 
e com a alma em letargia

Ele nem sonha que é meu Dionísio, 
minha escultura greco-romana, 
minha lira mal feita

Se sonhasse, não dormiria mais
E eu digna de pena,  
sempre querendo me ancorar nestes cais 

Meu alimento queima no fogão 
enquanto escrevo isso, 
eu queimo inteira por ele

Por ele não me querer por tudo isso.

terça-feira, 13 de outubro de 2015

Chico sabe, que ele me comeu com aqueles olhos de comer fotografia. Mas foi só isso.

Dionísio se desfez do meu encanto impalavrável 
E eu voltei a não ter norte 
Joguei as palavras no ar, para que ele as pegasse, as protegesse 
Mas nada fez
Ficou as observando, com desdém, quiçá medo 
Chegar como quem quer tudo, não foi uma boa ideia 
No entanto, eu sou a dona dos sentimentos intempestivos
Ele decidiu que seríamos nada, 
eu só posso esperar que a Poesia me abençoe
Já que os Deuses não me desculparam
Talvez ele tenha sido mais uma pessoa rasa 
que tive o infortúnio de encontrar pelo caminho, 
cuja pessoa encobri com minha profundidade
somente para comover os meus dias
Mas a comoção não foi libertadora
Eu me liberto agora, dessa paixão monumental
Paixão engessada, criada para não ser.

quinta-feira, 8 de outubro de 2015

Hilst que me perdoe II

   Rasgo minha pele só pra ver como sou por dentro... Pois, não sinto borboletas sobrevoando meu estômago e de beleza interior nunca entendi nada. 

   Rasgo minha pele para ver o que há nas entranhas, nas tripas, nos ossos... Mas não me enxergo em nada. 

   Onde estou? Hilst, disse que eu não me movo de mim. Mas será que eu fui eu, enquanto escrevia isto?




























15/09/2015

sexta-feira, 2 de outubro de 2015

Os Deuses precisam me desculpar por esta utopia

   Eu poderia fazer um chá e tentar dormir, agora mesmo 12:32, e acordar só amanhã. Mas esse deslumbramento não iria me abandonar nem com um sono profundo. Não paro de pensar naqueles olhos sobre mim, Adélia Prado entende essa minha nova paixão que gosta de judiar. Levo dias para conseguir formular uma frase que seja, para aliviar meu pútrido coração que nunca se restabelece, parece ter uma inexplicável atração pelo abismo. Estou apaixonada pelo homem mais alucinante da cidade, o encontrei naquele bar e me desencontrei de mim. Eu que nunca quis me achar. 
   Eu só queria mais tempo, tempo para traduzi-lo na minha pele e sentir medo e sentir o furor e sentir e sentir e apenas sentir. Estou caindo, e a tentação não está me alegrando. O que eu faço? Um banho gelado não vai esfriar minha mente que borbulha de encantamento. Estou cansada. Minha poesia não o alcançará. E eu não posso chorar por isso. Mas é desgastante. Ele é um homem sensível, mas a humanidade lhe comove mais do que a arte. Meus versos e minhas linhas corridas não vão lhe comover. Ele só vai correr de mim. Estou com medo de mim. 
   Eu queria lhe esquecer, mas a cidade é tão pequena. Vai me esfregar aquela escultura renascentista nas minhas fuças na mais próxima avenida. Ele sofre pelo mundo doente, e eu tenho medo de inventar uma nova doença por causa dele. Um amigo disse-me que fui picada pelo mosquito do diabo, receio muito, porque é a crua verdade. A verdade tem me agredido. Há madrugadas em que sonho com ele, e acordo pedindo perdão aos céus por tamanho disparate. Ele sabe que é uma divindade poética mesclada aos personagens mais boêmios e insanos de Bukowski, ele sabe da loucura, ele sabe do êxtase, ele sabe que seus olhos podem lhe garantir quase tudo e eu só quero saber se seus olhos lhe salvarão sempre. 
   Ele me faz ter vontade de escrever sem pontos finais, porque há muita coisa nele que eu desejo descobrir. Sobre todas as pessoas que escrevi, somente para ele quero mostrar tudo. Para que ele venha lembrar de mim pelo que escrevo, tal como Caio F. queria tanto. Eu poderia citar todos os meus escritores preferidos para tentar dizer o que preciso dizer, mas não sei o que quero dizer. O torpor começa quando eu penso. E tenho pensado diuturnamente. Como se ele fosse uma criatura mística que tenta em vão me deixar em eterno estado de desassossego, logo eu, que possuo uma alma anarquista. 
   Oscar Wilde escreveu que a paixão é um privilégio dos que não têm nada para fazer, mas ele também escreveu Dorian Gray, e veja bem, a minha divindade-poética-e mística também é a personificação desse personagem profano. Será que eu quero apenas o corpo dele repousando sob o meu ao findar a noite, para manter-me nesse estado perpétuo de adoração para ter o que escrever? Só sei que quando o vejo, fico louca. Meu olhar tenta se estender no dele, mas a ilusão me belisca forte. Quer trazer-me para a realidade que me parece tão irreal. Tudo culpa da literatura. 
   A vida dentro de um quarto trancado após os raios do meio dia, com alguém entorpecido pelo álcool e pela falta de tato só é atraente dentro das narrativas do velho safado. Fora isso, a solidão quer nos mastigar a todo instante. E o vazio sempre aparece no reflexo do espelho sujo. Tudo é muito decadente. Ele me intimida de modo imensurável. Essa tal sensação me acalenta e esbofeteia ao mesmo tempo... Porém, escrever sobre ele, tem colorido a minha vida - com o caos do problema - igualzinho àquela canção de Belle and Sebastian. Ele pode ter quem quiser, mas será que quer alguém? Ele é uma incógnita ambulante, e eu gosto disso. Não sei se ele é feliz ou triste, eu ficaria por horas escutando ele falar sobre o seu descontentamento sobre a vida e amor pela mesma. 
   Ele, nessas semanas todas tem sido ele. Eu tenho medo de assustá-lo, mas não consigo ficar quieta. Acho que este encantamento não deve ficar preso no papel, se não fará mal a ninguém, além de mim. E eu não quero me sentir mal, a minha poesia não merece me ver assim. Ele desdenhou daquele poema que lhe enviei, e eu segui a escrever. O incômodo persiste, mas não é maior que a vontade da aproximação. Não é a minha intenção forçar nada, eu posso vê-lo e desviar o olhar, eu posso vê-lo e fingir que não lhe contemplei nu. Eu posso ficar inerte, e esquecer tudo... Mas não quero. 
   Eu quero os olhos dele em mim para que eu possa escrever uma centena de poemas. Quero a combustão de não saber o que fazer, de não saber pra onde olhar, se ele me olhar de volta. Quero que ele me inspire até abrir um buraco dentro da minha cabeça.