quinta-feira, 31 de julho de 2014

Um certo ar horroroso de terrível depressão

   Cada rua, cada esquina e avenida que já me viu passar carregando mágoa nas costas, sabem que se o tempo de hoje não fosse aquele tempo que perdemos, eu te diria que, te aceito com todas as suas amigas bonitas, até mais do que bonitas e inteligentes te adorando antes de mim. Talvez eu lhe contasse do quanto queria te conhecer pra não precisar te inventar. Percebe que nessa estória, o que é doentio também é tão delicado? A desfiguração, meu bem, nos veste tão bem. 
   Eu nunca pensei num romance com piqueniques com toalha xadrez em parques incrivelmente verdes, quiçá melosidades que não me agradam nem no cinema. Acho que você soube, que o que faz a minha cabeça são as sensações sem rótulos, a poesia sem pretensão e o som dos pratos espatifando-se contra a parede quando tudo dá errado. Talvez em outros dias eu diria que essa minha vidinha mansa me serve, mas a falta de me ver sendo furacão-e-você-a-calmaria-ou-eu-a-calmaria-e-você-o-furacão abisma as minhas melhores memórias.  
   Talvez eu precisasse dizer que esse meu lírico encantamento me maltrata, porque dorme e acorda comigo, porém, não me olha nos olhos. E é sempre desse jeito, eu sem jeito recitando uma atração faminta por alguém que não tem jeito.  

Título:  Lawrence Ferlinghetti

terça-feira, 29 de julho de 2014

Escrevo porque senão eu morro

   Escrevo porque não sei desenhar, nem cantar. Embora eu goste de cantar meu blues todos os dias. Escrevo mesmo falando muito. Também escrevo muito. Escrevo para homens que pouco leem. Escrevo porque esses homens só não me alcançam porque não querem. Escrevo porque o ingresso do show que eu quero ir tá caro demais, acho que não vou mais. Escrevo porque não sou das matemáticas e mesmo assim ainda escrevo mal.

   Escrevo porque só gosto de quem não dá nada por mim. Escrevo porque não tenho peso para doar sangue. Escrevo porque não tenho aparência de moça mais velha e os moços que quero me veem como menina moça. Escrevo porque desço a rua já pensando que não tenho nada para fazer em casa. Mas adoro ficar em casa. Escrevo porque não tenho dinheiro para comprar todos os livros de todos os meus escritores preferidos.

  Escrevo por querer encarcerar na minha poesia quem não para de se esconder atrás das minhas mil paranoias. Escrevo para a tristeza se afastar. Escrevo porque não posso me aproximar. Escrevo porque não me dou bem com a minha mãe. Escrevo porque um dia quero ser uma boa mãe. Escrevo porque meu-primeiro-suposto-amor não me amou. Escrevo porque não sei qual é o meu filme favorito. Escrevo porque quando eu crescer quero escrever igual a Hilda Hilst. Escrevo porque quando eu crescer quero sentir como a Adélia Prado.

  Escrevo porque sou obcecada pela demência alheia. Escrevo porque eu mataria se pudesse, e vejo que nada me impede. Escrevo porque sou covarde. Escrevo porque quando eu falo, nem eu me escuto. Escrevo porque não posso fazer sua risada tocar no rádio. Escrevo porque você não quer que sua risada toque no rádio. Nem em mim. Escrevo porque sou a ovelha negra da família. Escrevo porque gosto de ser assim. Escrevo porque não sou o orgulho de ninguém. Escrevo porque não preencho ninguém. Escrevo porque ninguém têm nada com isso.

   Escrevo porque dói. E doer é bom. Escrevo porque sou masoquista. Escrevo porque como Caio Fernando Abreu, quero ser amada por alguma coisa que escrevi. Escrevo porque aquele homem disse que iria lembrar de mim pela minha poesia, mas nunca mais me procurou. Escrevo porque não consigo mais beber sem chorar. Escrevo porque chorar é patético quando é por alguém que nem sabe que eu detesto cenouras. De novo as cenouras.

   Escrevo porque não posso adotar todos os gatos abandonados pela cidade. Escrevo porque meus amigos vivem com pressa. Escrevo porque eu só tenho a pressa de escrever mais esse texto. Escrevo porque  deixar de ser criança foi a pior coisa que me aconteceu. Escrevo porque não ando de bicicleta há anos. Escrevo porque desaprendi a subir numa árvore. Escrevo porque reconheço quem não me conhece até de costas. Escrevo porque meu nariz é feio. Escrevo porque seu nariz afrontoso não sai da minha cabeça.

   Escrevo desde guria, quando fazia listas do que gostaria de ter. Com sete anos eu queria ter uma vaca. Saudade. Escrevo porque hoje só quero paz. Paz pra nós. Escrevo porque não posso fazer nada quanto a guerra no Oriente Médio. Escrevo porque ganho pouco e sou explorada. E não me atrevo a largar esse emprego. Escrevo porque não aceito o prazo de validade que as coisas/sentimentos/pessoas têm. Escrevo porque não posso escolher a minha família e meus amigos estão se extinguindo. Escrevo porque nunca viajei de avião e a tragédia vive no ar. 
   
   Escrevo porque mesmo tendo aprendido a não esperar muito faço isso por ilusão. Escrevo porque não sei fazer outra coisa. Escrevo para mulheres que nunca foram amadas. Escrevo porque não me acho bonita, mas a vida é. Nem sempre. Escrevo porque gosto da contradição. Escrevo por Inácio e Antonina, meus filhos bem amados que ainda vão nascer. Escrevo porque vou ter três filhos, e o nome do terceiro já escolhi mas não falo. Penso que vai ter o nome do pai. 
   
   Escrevo porque inventar é a minha única forma de viver. Escrevo porque só quero fazer isso. 


   Escrevo por amar Adélia Prado, que escreveu isso:

Eu não servia para ter nascido,
para comer com boca, andar com pés
e Ter dentro de mim oito metros de tripas
desejando a filigrana de tua íris
cuja cor não digo para não estragar tudo
e novamente ficar coberta de ridículo.

   Escrevo, porque não fui eu quem escreveu:

Quem és? Perguntei ao desejo. Respondeu: lava. Depois pó. Depois nada.

Foi Hilda. Deusa dos Grandes Nadas

sábado, 26 de julho de 2014

Gosto do meu chá, mas prefiro você

   Indo para o ponto necessário, deixa eu lhe falar que há homens dizendo-me coisas tão bonitas... Mas não, não é dessa vez que você me perderá. Pois eu fico pensando em você que nunca disse nada, ponderando o ridículo e a insensibilidade. Querido, eu preciso de alguém que sinta a poesia da vida comigo. Depois cubra meus pés, aqueça meu chá e vá embora. E deixe um bilhete embaixo do meu travesseiro, dizendo voltar amanhã. 
   O seu problema, é que, você não gosta de chá. E nunca mais voltou.  


quinta-feira, 24 de julho de 2014

Foi bom pra mim ser afligido

Você não me olha, também não te olho
Nisso vai enchendo nosso diálogo de 
                                psicologismos
Enquanto eu descasco o esmalte das unhas

Meu poder de construir bons versos
não existe quando rodeamos tanto 
pra dizer que se ficarmos juntos
acabaremos um com o outro

Mas a verdade é que, você acaba comigo
quando sei que brinda à vida sem mim
Quando diz que não pode gostar de alguém tão... 
                                     fantasiosa

Sendo que eu fantasiei isso
Você me dizendo que fantasiei demais

Você não me olhou porque você 
                     não está aqui
Você nem existe
Então não existiu conversa alguma
Agora vou pintar as unhas de novo.
 
Título: Do salmo 118

sábado, 19 de julho de 2014

Sobre as cenouras

   Eu não gosto de cenouras. Muitas coisas você precisaria saber sobre mim, para entender porque ajo assim. Você nunca me telefonou e eu já peguei o telefone por menos. Um dia dissera que eu escrevo coisas belas e quem sabe poderíamos escrever um poema juntos, e eu já pensando no nosso livro. O poema não saiu, que pena. Eu bebi teus detalhes o mês inteiro só pra não te afastar da minha realidade. Lembra quando disse-me que as pessoas que me leem iriam gostar de ler algo escrito junto com o homem sobre quem tanto escrevi? Eu também iria gostar. Seria assustador. Como todo esse meu gostar folclórico. Sabe, eu não gosto mesmo de cenouras... Mas você não faz ideia disso, porque sempre conversamos sobre tempestades emocionais. 
   Eu o coloco no escuro da minha sala, quando apago a luz. E me sinto mais destinada a te encontrar nessa vida. As pichações atrás das portas dos banheiros públicos deixa esse momento mais comovente, a poluição visual também me agrada. Você me agrada e me desagrada com a mesma facilidade. Não dou o que falar na mesa do bar, mas ao contrário de mim, tu me dá o que escrever todos os dias.
   Preste atenção, eu não gosto de cenouras. Nunca foi meu objetivo ser um desafio psicológico, mas eles não me deixam sentir paz e claro que eu não me dou sossego. O meu cotidiano supera qualquer filme de Almodóvar, acredite, eles me amesquinham e eles me encantam com tamanho profissionalismo. Mas me desgraçam a cabeça com a falta de profundidade. Eles me param na rua para vender laranjas, digo que prefiro frutas vermelhas e quando dou por mim estou em casa com duas dúzias das laranjas mais amargas do mercado informal. Eles me ligam, marcam compromissos e desmarcam cinco minutos depois. Daí suspiro, praguejo o mundo e volto a lavar a louça. 
   Eles controlam os meus passos, meus horários alternativos e me julgam pela quantidade de café que bebo. Eles me chamam pra conversar sobre as pessoas, eu digo que se fosse meu caso preferiria comer uma mulher tal como a Audrey Tautou e me chamam de machista por não optar por um tipo de atriz pornô. Eles me mandam ir dormir e porra cadê meu sono?! Eles falam em homens, digo que prefiro-os-altos-não-magrelos-mas-também-não-obesos e óbvio que dizem que exijo muito. 
   Eles dizem tudo bem, vamos tentar de novo... E nunca mais falam comigo. Eles se perdem de mim e me culpam pelo ocorrido. Eles quando gostam de mim não me desesperam, aí eu os deixo pra lá. Eles recebem minhas correspondências e não se comovem. Nessa hora passo a odiar o carteiro que foi responsável demais e entregou o que eu enviei. Meu telefone não toca, sim, não está quebrado. Mas se eu continuar ansiosa vai estar. Eles zelam pela minha autoestima dizendo-me, não é bem por aí, tu não és assim ou não sejas assim pateticamente incorreta por gostar tanto pra tão pouco ou a loucura após perceber a grande consideração pequena. Acho que estou roubando citações de T. Bernardi porque já não sei o que escrever. Olha só, ainda não gosto de cenouras. Só quero que entenda isso. 

quarta-feira, 16 de julho de 2014

Demonizando o nada

   Após 51 dias eu cortei o silêncio, nosso silêncio mutuo. Não foi premeditado, nada é... Deixamos de nos falar por causa da incompatibilidade nada poética, e fui atrás de você, porque rir com você era rir de verdade. Você nada disse, e mais uma vez eu fico com o papel mais dramático dessa novela nada mexicana. Acho que dizer o que sinto, nunca funcionou com nós. Você tão incógnita, eu deveria ser mais subentendida. Mas poeta é assim, quase não fala e quando fala, aproveita e vomita. Vomita sentimentalidades, cospe redemoinhos admiráveis. E vez e sempre engole não só sapos, mas todos os anfíbios e répteis inimagináveis 

   Agora fico aqui, adoçando esse copo d'água, pra acalmar toda essa ordem Lepidoptera que vive em fúria no meu estômago. Sabe, andei pensando que quem têm por hábito escrever, são pessoas perigosas. Mas gostar de você é mais perigoso ainda. Talvez você continue com essa greve de palavras, cultivando a indiferença. Simplesmente porque eu sou inerte na tua vida, enquanto eu me agravo escrevevendo sobre o que não acontece, puramente por diversão. Depois que nos afastamos, apareceu 7 domingos na minha semana. Veja, o quão chatos são os meus dias quando não sei dos teus. 

   Também não sei a hora de parar, me para.  Você me induz a sentenciar sandices, porque és o índice da minha loucura e o indicio da minha desgraça. Se não mais nos falarmos, saiba por aqui, foi bom porque não aconteceu. 

(Mas se acontecesse... Ah, meu bem...)

domingo, 13 de julho de 2014

E mesmo sem te ouvir, eu já conheço a resposta

Tenho roupas para lavar
nesse domingo tão bonito

Mas agora sentei para escrever
sobre nossas éticas particulares,
ou orgulho fétido

Que nos impede de insistir
no que parece ser lindo 
mas também arrasador

Por onde passo
exalo conformismo

Quando meu coração dispara
Você me diz, para
Eu parei foi na tua

Essa história seria igual
se fôssemos diferentes.


























Título: Autoestima, Lulu Santos

quarta-feira, 9 de julho de 2014

Há milênios te sei e nunca te conheço

   Te quis com gosto de feijão, pasta de dente e até café. Quis da forma mais errônea, até sem fé. No carnaval que não sei dançar e no tango que só admiro. Assim, assado, cozido e digerido pela minha poesia... Costurado, alinhado em mim. Quis sem querer, até me ver querendo tanto. Te quis com todos os seus amores, mesmo sem me amar. Quis pra fazê-lo mar, mesmo se eu não rio. Quis de verdade pra escrever mais uma mentira. Tu aí em Pelotas, eu aqui no Alegrete, sendo menos alegre. 
   Te quis no outro lado da linha rindo para o meu gravador só para eu sentir mais dor. Quis pra não querer mais ninguém. De modo mais vero-romântico, sobrenatural e aflitivo. Eu abri o meu cotidiano fatigado pra aceitar teu entusiasmo que revigora o meu. 
Te quis, 
logo eu 
que nunca sei 
o que quero. 

Título: Hilda Hilst

[06/06/2014]

segunda-feira, 7 de julho de 2014

Sobre o impróprio

Você me arruína, homem. E eu gosto assim...
De viver com a serenidade cheirando a carniça
Me espreita todas as horas de todos meus dias
                                                        cansados]
Decompõe minha vontade de afastamento 
Cada vez que ressurge atrás do meu abismo
                                                      literário] 
Porque aprecia a maneira como escrevo
nosso desencontro
Encontrando remediação 
para o nosso falso descaso
Nosso que não é bem nosso
Eu quero viver essa relação deficiente 
ambientada no plano das ideias descabidas 
Porque é verdade, sempre foi...
Ninguém te inventa como eu
Se for para ter medo,
te dou o meu.

sexta-feira, 4 de julho de 2014

Feito louca, alucinada e criança

Abre a fresta da janela,
senta na beirada da cama
E aprecia as nuvens
se liquefazendo lá fora
Chove como se Deus
também estivesse triste
Penso em suicídio 
todos os sessenta segundos
de cada minuto
Como salvação
Como conquista 
da verdadeira zona de conforto
Está tudo se desfragmentando,
pedindo pra eu virar pó
Minhas tristezas são irremediáveis,
sinto que viver é apenas isso
Eu já não suporto esse isso
Transformando catástrofes em poesia,
parece que já morri faz tempo
Mas estou aqui escrevendo 
meu obituário.



terça-feira, 1 de julho de 2014

Detalhando a falta de detalhes

   Estou tão absorta com a escassez de detalhes. Vejo o cão defecando na praça e acho lindo. Aí penso que cães defecando também é um detalhe. Como aquele cara que até ontem era meu amigo e disse estar apaixonado por mim e nessa manhã atravessou a rua ao me ver porque falei pra esquecer o que me dissera. Ser rejeitado é só um detalhe. Que ele não absorveu. Nem eu. 
   Poderia preencher o calendário com todos os dias que desisti, mas as vezes que voltei atrás ocupam toda a história. Eu sempre volto atrás por uma boa paixão. E quando digo boa, acredite, é a paixão mais cruel que já senti. E isso é só mais um detalhe. Parecer uma batida de carro, que todos param e olham para contemplar o estrago, é o detalhe que adquiri de você. 
   Você foi a pessoa mais descontraída que não conheci, e todos os homens que me veem tomando sorvete sozinha pelos cantos dessa cidade, me avistam já sabendo que meu adorno mais bonito é a solidão. Por isso que escrevo suavizando todos os golpes. 
   Será que já lhe disse que o coloco nos bares e calçadas que não te conhecem? Te coloquei dentro de mim, que também não te conheço. O poder que temos de parecer pueris se alia com a vontade de decifrar o que não conhecemos.
   Alcione Araújo escreveu que, só há paixão se um não conhece o outro. Que bonita fatalidade. Mas de qualquer forma...


















(Arquivo pessoal. Livro, Cala a boca e me beija - Alcione Araújo)