sexta-feira, 31 de outubro de 2014

Não devia

Não devia
Mas eu quis
Como no compasso
dos meus passos 
que não me tiram daqui
Na sincronia singular
de uma melodia triste
Nas rasuras do papel cansado
A poesia que não consola,
é a mesma que se desculpa por afligir 
Não devia
Mas eu quis
Como quem vai à padaria 
e não se importa de comprar pães amanhecidos
Não devia
Mas penso diuturnamente 
nas areias do Laranjal
E em como a brevidade
me assombra
Escrevendo um novo amor
ou pintando as unhas de vermelho
Nenhum dos dois eu sei fazer direito.



sábado, 25 de outubro de 2014

Divã infame

   Eu tenho vontade de colar nas minhas paredes todos os recortes de revistas e jornais que falam sobre amores e paixões que não foram muito longe apenas para confortar o meu corpo dentro desse meu literário temporal a antologia riquíssima de Drummond que embeleza minha prateleira já deve ter captado toda a energia ruim que paira sobre mim então intimamente falando creio que Carlos se compadece da minha exaustão passional todo esse esgotamento tudo o que deu o que falar e o que chorar está encruado na minha capacidade cognitiva é o puro clichê de que eu mesma estou me cortando e mastigando meus próprios pedaços a digestão como você bem sabe é lenta e a satisfação é tão vil conheço meu egoísmo mais do que conheço meu coração sei da tolice que é pensar em mudar o mundo com a caneta na mão enquanto só sei escrever sobre ego varrido pra debaixo do tapete mesmo sabendo que a miséria do mundo e sua humanidade é tão mais ordinária mas ordinária eu também sou pois não consigo mudar a mim mesma ou talvez viver como uma ratazana num bueiro fétido e escuro faça mais o meu tipo você faz o meu tipo você e todo esse seu ceticismo seu lema ''só acredito vendo'' mas fui eu quem tentou pagar pra nos ver até o fim você só largou alguns trocados na mesa para adiantar logo qualquer final quando a infância me era presente eu colecionava sabonetes por seus aromas cores formatos agora na faixa dos vinte conto os indefesos hematomas que adquiro ao esbarrar pelos móveis quando ando distraída pela casa e - ando muito - farejando resquícios de souvenirs recicláveis o meu pavor de hoje é ainda considerá-lo a minha pessoa favorita no meu pedaço do mundo parafraseando Carlos só posso concluir que se eu morrer morre comigo um certo imperfeito modo de te ver.

quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Passeando em todos os tempos nessa vida atemporal

Os olhos outrora adorno do rosto,
agora ameaçam a despencar da face cadavérica
Lábios que desfilavam cores do Disco de Newton
se veem rachados, abrigando o sangue seco
Ela jogada no sofá
esbanjando sua melancolia,
é lírico demais
Entre um devaneio e outro
pernilongos fazem festa em seu corpo
E pensa em
ontem
rejeição
lonjura
geografia
Vai se alastrando
sua invisibilidade
diante do mundo que quer devassá-la
E pensa em
outra cidade
unhas rasgando costas largas
tapas deliberados
ódio consentido  

Uma barata atravessa a sala

Havia muito tempo 
que não tocava em algo vivo.

(Lê-se: ... destruía algo vivo)

segunda-feira, 20 de outubro de 2014

Dos desejos apodrecidos

Banhar-me com gasolina
e riscar o fósforo
Deitar nos trilhos
e esperar o trem
Atirar-me em frente 
de qualquer automóvel
Pular no rio
mais fundo e poluído
Catar todos os frascos
e comprimidos da casa
e os ingerir sem medo
Voar 
da sacada mais alta da cidade
Estourar a minha cabeça
com um tiro
Me enforcar 
com o meu lenço mais bonito
Cheirar vinte carreiras 
de cocaína ou quantas eu conseguir
Nada é mais mortífero 
do que me matar 
dentro da minha própria poesia
Mas continuo aqui 
só para me surpreender com o meu final
Nisso, vou morrendo todos os dias.

quarta-feira, 15 de outubro de 2014

Desaparecendo nele

Eu continuo 
escrevendo sobre ele,
porque morro de medo 
de não sentir mais nada igual

Sendo loucura ou doença
é por ele que choro quando bebo demais
Eu só quero essa ilusão
Para almejar versos limpos 
e exatidão volátil

Ampliando a hipótese de nós dois 
na certeza 
de todas as madrugadas

Ainda não sei, mas creio 
que ele tenha o cheirinho de vida fresca, 
aquela que antes de escrever 
eu quero viver

Compartilhando segredos sagrados, 
readaptando uma bela neurose
Ele me procurava 
só para contornar a minha calma

Agora estou aqui corrompendo 
o que ainda nos resta de melhor
porque eu posso ser o seu pior 
E ainda assim, ser seu amor

Cinco meses 
virou a nossa nova distância.



sábado, 11 de outubro de 2014

Pela minha pele nos seus pelos

Desligo a televisão, 
apago a luz
e as janelas permanecem abertas 
Transito entre os sofás 
e me sinto vigiada 
Paro em frente ao espelho 
apreciando o nada, 
A minha desatenção, 
o contentamento forçado
E volto com os rituais
mantras
rezas
simpatias
cartomantes

Tudo por um esquecimento
menos árduo.


30/11/2013

quinta-feira, 9 de outubro de 2014

Fazendo da tua vida o que teu coração te dá

   Eu posso usar Vanguart pra dizer que, quando chove na cidade, eu lembro de você... Eu lembro de você quando praguejo a distância. Lembro que o tempo era guiado pelos suspiros que me causavas. Lembro de você quando me vejo feito cachorro por alguém que  não tem um dedinho do seu encanto. Se tudo muda, eu deveria mudar também. Mudar a estação, mudar de atração... Quando me acho em belos olhos, eu lembro que você me deixou do lado de cá. E seguir em frente por enquanto não dá. Não dá porque não quero. E se demorou pra ser e agora continua não sendo, eu lembro que eu quis tanto. 
   Se dependesse só de mim, seria como naquela carta que lhe enviei no último janeiro triste, - porque todos são - iria descobri-lo por inteiro para nunca mais ter que escrever sobre outra pessoa. Você me entusiasmou por todos os vinte meses que ainda se estendem, creio que se lhe descobrisse eu estaria na maior das sarjetas existenciais. Há beleza nisso. No próprio pensamento da decadência que talvez fosse promissora. Mas até para cair bonita eu preciso dos seus empurrões delicados. 
   Lembrar você, faz lembrar a falta que me faz um bom abismo. Pois como divina masoquista que sou, venero o que me envenena. O sadismo também é devoto do meu coração. Eu posso lhe esperar na rodoviária ou no meu colchão, se quiser ser a vida da minha vida. Mas fora da minha cabeça, você nem se cansa mais para dizer, não.


Título: Vanguart