sexta-feira, 26 de outubro de 2018

Eu me curvo para essa primavera onírica

   Não haveria essa angústia no peito, pois você me enviaria uma mensagem no final da tarde dizendo que o dia foi corrido mas que mesmo assim pensou em mim. Nos veríamos amanhã, você me buscaria com uma música alta no carro e eu me sentiria tão aliviada por poder segurar sua mão enquanto você dirige. Vamos tomar sorvete no calçadão? Eu sempre escolho doce de leite com ameixa, você chocolate. Você nunca liga por eu terminar o meu por último, até derreter e virar nas pernas. Você acha graça. Eu acho graça de viver assim sabendo que você é por mim. Você me passa o controle remoto, me deixa escolher o filme todas as vezes e depois ri, diz que sempre escolho um filme louco. Toda vez que você sai da cama, me dá um beijo no braço. Eu floresço por dentro. Você dorme, eu contorno as sardas das suas costas. Não consigo dormir, não quero estragar esse sonho. Nesse sonho você sabe pedir desculpa, e é sempre delicado. Nunca piegas. Nesse sonho você fala que eu sou um achado. Você é o melhor que já me tocou. Nossa vulgaridade é sempre poética, você me come como ninguém. Na minha cabeça toca Buckley e Fraser no escuro do seu quarto quando te beijo antes de ir embora. As pessoas que passam dentro dos seus carros durante a madrugada e nos avistam na sua sacada sabem, que somos envoltos por essa adoração sagrada, mesmo que obscena. Mordo seus lábios e essa paixão dói em mim, de tão viva. 

Não é real. 
Nada disso aconteceu. 





domingo, 21 de outubro de 2018

Três meses foi ontem

O que eu faço 
com a vontade 
de procurá-lo 
depois de você passar por mim 
na avenida e 
colocar a cabeça para fora do carro 
como se nunca 
tivesse me visto antes?
Pensei em você toda a semana
como se fosse possível 
chamá-lo em pensamento
Você me desespera 
sempre quando penso 
no quão difícil é esquecer
Morro de medo de ir embora 
e enxergar um carro igual ao seu 
e trazê-lo de volta 
em outra avenida
em outra cidade
em outro estado
Eu lembro da saliva quente
das mãos quentes
da forma como um suspiro 
faz sua boca se transformar 
na letra O 
do meu jeito preferido.

Arte: Tina Maria Elena




quinta-feira, 4 de outubro de 2018

Para ler ouvindo: Arctic Monkeys, Do I Wanna Know? (cover Dua Lipa)

não consigo
eu vejo o teu carro 
em todas as avenidas da cidade
tem sido tão penoso
te busco nos bares
farejo teu cheiro 
em outros pescoços 
as semanas escorrem 
com a minha saudade de ti
fazemos aniversário no mesmo dia
poderíamos dividir o bolo
e dividir a cama até o raiar o sol
nunca vi o teu rosto numa manhã ensolarada
eu nunca serei a tua menina preferida
mas não deixo ninguém me tocar
para não apagar as tuas mãos em mim
como fujo dessa doença?
eu sou a garota para rir na tua cama
não para afagar teu rosto num velório.