sábado, 19 de julho de 2014

Sobre as cenouras

   Eu não gosto de cenouras. Muitas coisas você precisaria saber sobre mim, para entender porque ajo assim. Você nunca me telefonou e eu já peguei o telefone por menos. Um dia dissera que eu escrevo coisas belas e quem sabe poderíamos escrever um poema juntos, e eu já pensando no nosso livro. O poema não saiu, que pena. Eu bebi teus detalhes o mês inteiro só pra não te afastar da minha realidade. Lembra quando disse-me que as pessoas que me leem iriam gostar de ler algo escrito junto com o homem sobre quem tanto escrevi? Eu também iria gostar. Seria assustador. Como todo esse meu gostar folclórico. Sabe, eu não gosto mesmo de cenouras... Mas você não faz ideia disso, porque sempre conversamos sobre tempestades emocionais. 
   Eu o coloco no escuro da minha sala, quando apago a luz. E me sinto mais destinada a te encontrar nessa vida. As pichações atrás das portas dos banheiros públicos deixa esse momento mais comovente, a poluição visual também me agrada. Você me agrada e me desagrada com a mesma facilidade. Não dou o que falar na mesa do bar, mas ao contrário de mim, tu me dá o que escrever todos os dias.
   Preste atenção, eu não gosto de cenouras. Nunca foi meu objetivo ser um desafio psicológico, mas eles não me deixam sentir paz e claro que eu não me dou sossego. O meu cotidiano supera qualquer filme de Almodóvar, acredite, eles me amesquinham e eles me encantam com tamanho profissionalismo. Mas me desgraçam a cabeça com a falta de profundidade. Eles me param na rua para vender laranjas, digo que prefiro frutas vermelhas e quando dou por mim estou em casa com duas dúzias das laranjas mais amargas do mercado informal. Eles me ligam, marcam compromissos e desmarcam cinco minutos depois. Daí suspiro, praguejo o mundo e volto a lavar a louça. 
   Eles controlam os meus passos, meus horários alternativos e me julgam pela quantidade de café que bebo. Eles me chamam pra conversar sobre as pessoas, eu digo que se fosse meu caso preferiria comer uma mulher tal como a Audrey Tautou e me chamam de machista por não optar por um tipo de atriz pornô. Eles me mandam ir dormir e porra cadê meu sono?! Eles falam em homens, digo que prefiro-os-altos-não-magrelos-mas-também-não-obesos e óbvio que dizem que exijo muito. 
   Eles dizem tudo bem, vamos tentar de novo... E nunca mais falam comigo. Eles se perdem de mim e me culpam pelo ocorrido. Eles quando gostam de mim não me desesperam, aí eu os deixo pra lá. Eles recebem minhas correspondências e não se comovem. Nessa hora passo a odiar o carteiro que foi responsável demais e entregou o que eu enviei. Meu telefone não toca, sim, não está quebrado. Mas se eu continuar ansiosa vai estar. Eles zelam pela minha autoestima dizendo-me, não é bem por aí, tu não és assim ou não sejas assim pateticamente incorreta por gostar tanto pra tão pouco ou a loucura após perceber a grande consideração pequena. Acho que estou roubando citações de T. Bernardi porque já não sei o que escrever. Olha só, ainda não gosto de cenouras. Só quero que entenda isso. 

10 comentários:

  1. Hellen... É linda a criatividade com que falas de tua angústia!
    GK

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  2. Hellen, até os pesares te caem bem, penso que você trata disso como se estivesse num divã, eu gosto, é uma leitura que puxa pela imaginação mas trás sem medo pra realidade.
    Gostei muito, saudações,
    Ney de Borba

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  3. Toda criatividade para mesclar a angústia nos detalhes do cotidiano é um dom. A gente se identifica, se encontra e consegue sentir o mesmo que você.
    Parabéns, moça!

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  4. Céus! céus céus, fiquei de copiar alguma parte que mais tenha gostado, mas é impossível, gostei de tudo, amei cada pedacinho da sua prosa, moça. Você me deixa a suspirar

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  5. eu vim aqui, às 19:25 e vou te confessar, que eu adoraria vir a cada quatros horas, porque gosto do jeito que você diz o que sente, e como gente eu sinto o que vai na tua mente e que seja o suficiente pra inspirar a minha vida entre as gentes, o que me faz bem
    porque você é cem entre um milhão e sendo cem toca meu coração,
    eu me sinto alegre com isso.

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  6. Versátil da poesia à prosa! Você é um fenômeno guria. Um show de imaginação e escreve em profusão. Uma escritora de mão cheia, adoro!!!! À proposito, também não gosto de cenouras.

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  7. A escrita corrida mais corrida do que aquilo que passa pelas minhas veias, corpo, coração e olha, juro que sua escrita sempre caminha de encontro com o que sinto, ufa!

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  8. Antes de tudo, tiro meu chapéu imaginário (não fico bem de chapéu) e minhas meias (eu adoro meias) pra você, Hellen! Tu arrasa demais.

    Compartilho dessa necessidade de compreensão. A gente ama pra caralho alguém, faz de tudo e mais um pouco por ela, daí quando você pede uma pequena coisa,como nao comprar cenouras ou afasta-se de alguém que não é confiável, e isso é negado, nossa! Quebra o coração. E fico pior ainda (vivendo o tal momento) porque eu sei que "De tudo, ao meu amor serei atento". Tô condenada por amar intensamente. Tô fodida.

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  9. Duas coisas: Saber o que se quer é um problema, pois quando estamos prontos para ser feliz, para muitos isso é demais.

    Segunda coisa: Nem bolo de cenoura? Aquele com chocolate em cima?

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    1. Hahahahha
      Ai, Danilo... Eu escrevi esse texto e no fim lembrei que é irrecusável um bolo de cenoura, mas em outros alimentos eu não apoio!

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