sexta-feira, 2 de outubro de 2015

Os Deuses precisam me desculpar por esta utopia

   Eu poderia fazer um chá e tentar dormir, agora mesmo 12:32, e acordar só amanhã. Mas esse deslumbramento não iria me abandonar nem com um sono profundo. Não paro de pensar naqueles olhos sobre mim, Adélia Prado entende essa minha nova paixão que gosta de judiar. Levo dias para conseguir formular uma frase que seja, para aliviar meu pútrido coração que nunca se restabelece, parece ter uma inexplicável atração pelo abismo. Estou apaixonada pelo homem mais alucinante da cidade, o encontrei naquele bar e me desencontrei de mim. Eu que nunca quis me achar. 
   Eu só queria mais tempo, tempo para traduzi-lo na minha pele e sentir medo e sentir o furor e sentir e sentir e apenas sentir. Estou caindo, e a tentação não está me alegrando. O que eu faço? Um banho gelado não vai esfriar minha mente que borbulha de encantamento. Estou cansada. Minha poesia não o alcançará. E eu não posso chorar por isso. Mas é desgastante. Ele é um homem sensível, mas a humanidade lhe comove mais do que a arte. Meus versos e minhas linhas corridas não vão lhe comover. Ele só vai correr de mim. Estou com medo de mim. 
   Eu queria lhe esquecer, mas a cidade é tão pequena. Vai me esfregar aquela escultura renascentista nas minhas fuças na mais próxima avenida. Ele sofre pelo mundo doente, e eu tenho medo de inventar uma nova doença por causa dele. Um amigo disse-me que fui picada pelo mosquito do diabo, receio muito, porque é a crua verdade. A verdade tem me agredido. Há madrugadas em que sonho com ele, e acordo pedindo perdão aos céus por tamanho disparate. Ele sabe que é uma divindade poética mesclada aos personagens mais boêmios e insanos de Bukowski, ele sabe da loucura, ele sabe do êxtase, ele sabe que seus olhos podem lhe garantir quase tudo e eu só quero saber se seus olhos lhe salvarão sempre. 
   Ele me faz ter vontade de escrever sem pontos finais, porque há muita coisa nele que eu desejo descobrir. Sobre todas as pessoas que escrevi, somente para ele quero mostrar tudo. Para que ele venha lembrar de mim pelo que escrevo, tal como Caio F. queria tanto. Eu poderia citar todos os meus escritores preferidos para tentar dizer o que preciso dizer, mas não sei o que quero dizer. O torpor começa quando eu penso. E tenho pensado diuturnamente. Como se ele fosse uma criatura mística que tenta em vão me deixar em eterno estado de desassossego, logo eu, que possuo uma alma anarquista. 
   Oscar Wilde escreveu que a paixão é um privilégio dos que não têm nada para fazer, mas ele também escreveu Dorian Gray, e veja bem, a minha divindade-poética-e mística também é a personificação desse personagem profano. Será que eu quero apenas o corpo dele repousando sob o meu ao findar a noite, para manter-me nesse estado perpétuo de adoração para ter o que escrever? Só sei que quando o vejo, fico louca. Meu olhar tenta se estender no dele, mas a ilusão me belisca forte. Quer trazer-me para a realidade que me parece tão irreal. Tudo culpa da literatura. 
   A vida dentro de um quarto trancado após os raios do meio dia, com alguém entorpecido pelo álcool e pela falta de tato só é atraente dentro das narrativas do velho safado. Fora isso, a solidão quer nos mastigar a todo instante. E o vazio sempre aparece no reflexo do espelho sujo. Tudo é muito decadente. Ele me intimida de modo imensurável. Essa tal sensação me acalenta e esbofeteia ao mesmo tempo... Porém, escrever sobre ele, tem colorido a minha vida - com o caos do problema - igualzinho àquela canção de Belle and Sebastian. Ele pode ter quem quiser, mas será que quer alguém? Ele é uma incógnita ambulante, e eu gosto disso. Não sei se ele é feliz ou triste, eu ficaria por horas escutando ele falar sobre o seu descontentamento sobre a vida e amor pela mesma. 
   Ele, nessas semanas todas tem sido ele. Eu tenho medo de assustá-lo, mas não consigo ficar quieta. Acho que este encantamento não deve ficar preso no papel, se não fará mal a ninguém, além de mim. E eu não quero me sentir mal, a minha poesia não merece me ver assim. Ele desdenhou daquele poema que lhe enviei, e eu segui a escrever. O incômodo persiste, mas não é maior que a vontade da aproximação. Não é a minha intenção forçar nada, eu posso vê-lo e desviar o olhar, eu posso vê-lo e fingir que não lhe contemplei nu. Eu posso ficar inerte, e esquecer tudo... Mas não quero. 
   Eu quero os olhos dele em mim para que eu possa escrever uma centena de poemas. Quero a combustão de não saber o que fazer, de não saber pra onde olhar, se ele me olhar de volta. Quero que ele me inspire até abrir um buraco dentro da minha cabeça.

8 comentários:

  1. Espero que você siga a "vontade",porque espero ler o seguimento. Só ler, ler sentir e sentir, porque é lindo demais sentir cada minuto que tu respirou enquanto escrevia. Tu tem algo de paraíso nessa cabeça.
    Amei, amei e amei,bom fim de semana.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Vou seguir a vontade mesmo que todo o destino seja o chão.

      Obrigada pelo carinho, de verdade.

      Excluir
  2. Nossa, Helen, isso é doloroso demais. Delicioso. Sua escrita vive sempre intacta no lirismo doído dos amores impossíveis. ''Ele sofre pelo mundo doente, e eu tenho medo de inventar uma nova doença por causa dele.''

    ResponderExcluir
  3. Hellen Hosseini, se Deus existe e eu espero que exista, porque creio nisso, apesar de todas as coisas. Ele deve estar feliz contigo, com tua vontade de alegrar os espíritos do mundo. Se te amar te protege de qualquer coisa que não seja boa, eu te amo.
    Beijo em tuas mãos criadoras, de versos e e eu te amo.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Continue me amando, até dar tempo de eu me salvar.

      Fiquei imensamente lisonjeada com este comentário.

      Excluir
  4. Escreva tudo que sente, sem medo de consequências. Se não cabe nosso exagero em alguém, este também não compreenderá nosso íntimo.

    ResponderExcluir