sexta-feira, 6 de novembro de 2015

Não escrevo mais cartas, só palavrões no muro: Foda-se. Morra.

   Não quis funcionar a primeira caneta que peguei para escrever isso. Pois então, você mensura o tamanho do meu encanto e tripudia em cima dele só para me mostrar que é mais feliz sendo vazio. Mas Adélia sabe, se você dissesse vamos comigo ao inferno passear eu iria. Iria porque eu consigo matar no peito sua sordidez e ser ainda mais imunda. Me pus nas suas mãos dentro daquele papel dobrado, você me olhou de modo inominável, para meu desejo engatinhar construindo pontes para dentro do seu corpo sorrateiro.
   Perceba que seu narcisismo se sobressai nestas linhas. Não foi preciso de cartomante desta vez para dizer-me que fui longe demais. Estou com aquela sensação horrorosa, aquela que me dá sempre quando sei que preciso matar um personagem torpe. Não posso lhe matar ainda, Dionísio. Você precisa permanecer em mim, não só na poesia. Eu quero lhe cortar em pedaços com a minha faca enferrujada, quero ver seu sangue sujo descendo no ralo da pia, enquanto eu tento limpar as marcas das unhas e bocas alheias que decoram a sua pele, agora minha. 
   Vou banha-lo na pimenta do reino até o perfume barato de todas as vadias e veados da cidade abandonarem você. Cozinharei seus músculos com orégano para saborea-los no final da noite, enquanto vislumbro seus olhos desencantados dentro do vidro mais bonito. Vou ferver seu coração com erva doce, pode ser que este chá me acalme. Seus ossos, os deixo para minha gata, Juliete dará conta. 
   Você é tão especial, há quem mataria por você... Mas você nunca se contenta. Quer ser o dono da loucura, da esbórnia, do pecado da carne. Quer ser o primeiro a levantar a taça e o único a dar o último gole. Quer as festas, a libertinagem, a luxúria. Quer os olhos das camponesas e dos forasteiros sobre você, porque o que te faz gozar é a soberania. No entanto, você é só um homem comum, enaltecido pela multidão. Um mero objeto de prazer ao corpo, vitrine da sociedade. Meu objeto-parco-literário.


Título: Adélia Prado

5 comentários:

  1. O mundo não acaba agora e essa tu energia poética e veia histórica, vão servir quem sabe pra outras gerações tuas, as que nascerão do teu ventre, esse que acho lindo e se pudesse, te faria um filho. Eu penso que esse roteiro daria uma série de seis temporadas, e tua loucura poética faria com que muitas vidas, vivessem a alegria de tuas palavras. E penso isso porque sinto isso e tenho inveja de quem te inspira, de quem respira o teu hálito de cansaço. Então posso dizer que me sinto feliz com isso.

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  2. Parabéns pelo texto, pela articulação com as palavras, e por esse maravilhoso talento!

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  3. "Cozinharei seus músculos com orégão para saborear no final da noite..." sim..sim...

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  4. Helen, tuas cartas são a tua poesia, cada veia tua é essa dor de parir versos todo o dia. Eu não sei como é ser tu, o que sei é que amo tuas cartas, sejam pra quem for,elas são sempre coisas tuas que eu gosto de sentir.
    Bom fim de semana.

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