domingo, 28 de abril de 2013

O homem permanecido só durou a noite

Disse-me que gosta tanto, 
de ver a chaleira chiar.
Como se com nós conversasse, 
contando urgências...
Ele desencaminha nosso assunto, 
ganhando meu tempo.
Faço seu café, 
tentando lhe devolver o foco.
Ele me olha como quem quer tudo,
e eu só quero algumas palavras.
Já passara da meia-noite
e ele agora troca o hálito do ar
com seu cigarro barato.
Pergunta se tenho por hábito
oferecer café para desconhecidos
largados no meio fio...
Disse que o conhecia
talvez de outra louca vida.
Ele disse que louca sou eu;
e que meu café é amargo.
Pediu-me papel e caneta,
colocou o bilhete em minhas mãos
e saiu sem dizer nada...
Num espasmo li:
''O demônio que habita em ti, já morou em mim.''
Só consegui pensar,
que não perguntei o seu nome.

Desculpe a delicadeza. 

14 comentários:

  1. Parafraseando Rimbaud, é por delicadeza que se perde a vida.

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  2. Puxa uma verdadeira máquina de escrever! Exata nas palavras, versos compostos a régua e esquadro, construção precisa, cuidadosamente erguida, no capricho, tijolo por tijolo, verso por verso. Um shopping Center de imagens vistosas. Poema prá ser lido e relido, saboreado aos poucos, feito um café quentinho, com a vontade de tomar outro. Comovente o que escreve , Guria.

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  3. nossa, esse poema ficou muito bonito.
    muito "sentido". cheio, de sentimento e a delicadeza desculpada.

    flores, hellen.

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  4. Teus poemas são sempre interessantes, tem conteúdo, qualidade. Bjo

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  5. Brilhante! Melhor texto seu que já li por aqui.

    E sim, volte sempre. Aguardo suas visitas.

    Ah, gostei da sua falta de modéstia ali no comentário.

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  6. (Foder...)

    Perdón pola grosería. É que me pareceu xenial. Estrañamente melancólico e triste, algo desgarrado... e místico. Consegue como un efecto de hipnotismo sobre min. Tal como ficar alí de pé, coma sen comprender, en branco, até darse conta de que non lle preguntou o seu nome...

    Ai. Tan máxico como as formas do fume do cigarro á luz do luar, no medio da noite. Coma o brincar miúdo pero bravo da fogueira baixo o manto de San Xoan.

    Así de atrapante. Así de onírico. Así de fantástico.

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  7. Excelente!! Gostei da intensidade e do tom...esse parece um daqueles textos que sai de uma só vez, das entranhas...muito bom!

    []s

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  8. brilhante, genial, melancólico e estranhamente familiar! #amei
    http://minhaspequenasverdades.blogspot.com.br/

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  9. Um diálogo instigante e talvez surreal.Poderia imaginar "mil coisas" a respeito dele e eu gosto muito disso.Excelente!

    Beijo.

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  10. delicado, mas forte.
    gosto de textos assim, que pedem outras leituras e nos trazem releituras. muito bom.

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  11. Muito bom o seu texto, expressa força e sensibilidade ao mesmo tempo.

    beijos

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  12. Encontrei um misto de CFA e Chico por entre as borras de café e fumaças de cigarro.
    Um dos mais fabulosos escritos que já li por aqui.

    Forte abraço, Hellen.

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