quarta-feira, 17 de agosto de 2016

Nove décimos de mim já morreram, mas eu guardo o décimo restante como uma arma.

   Ninguém se procura, ninguém se cuida. E tristemente, ninguém se entende. Palavras proferidas, silêncios devolvidos. Os danos são atemporais porque as histórias se repetem, se você me magoou foi porque eu deixei, se eu deixei foi porque acreditei que também pudesse me fazer bem. Se eu lhe magoei, peço desculpa. Todas as sensações se embaralham e me exaurem, eu penso tanto no definitivo e na fugacidade. Um homem terno e dolorido, escreveu por mim que, se você pisca quando torna a abrir os olhos, o lindo fica feio. Por isso que a utopia é urgente, quando deito a cabeça no travesseiro e não consigo dormir, é quando sonho com pessoas gentis e uma vida menos ensaiada. 
   Eu preciso dissipar - por meros minutos - a certeza de que ninguém se procura por carinho. E é mais cômodo dizer um "cuide-se" do que cuidar de alguém, porque no fundo não cuidamos  nem de nós mesmos. Estudos nos aconselham a beber mais água, a praticar exercícios e dormir bem. Mas para as pessoas que sentem, dormir bem é piada. E esse excesso de sensibilidade também é um deboche divino. Se escrevo é porque não entendo, mas gostaria. Se escrevo é porque preciso ler  isso tudo mais tarde, e crer que essa exatidão pode muito mais do que agredir. 
    Você certamente já teve momentos como esse, de prestar a atenção nos ruídos do dia acordando, o barulho dos carros, o som dos passos atrasados dos transeuntes. Aliás, gosto muito dessa palavra  "transeunte", pela representação do que nunca cessa, do que nunca para.  Você olhou para o alto? Os pássaros decorando o céu, enquanto eu sinto inveja por ser só isso. Sente as árvores derrubando folhas sobre nossas cabeças cansadas? E essas buzinas e sirenes e cães latindo. Infernal, não é?! Ou é a vida acontecendo em volta enquanto perdemos mais um dia ou ganhamos o mesmo. Eu não me acostumo. Está escutando os carros de propaganda? O arroz mais caro, a festa chata que vai ter no final de semana, mas que iremos para fingir que somos sociáveis e felizes. A música do taxista, enquanto ele limpa seu veículo estacionado, tão piegas quanto os meus pensamentos diários. E aquela mulher que acabou de jogar o papel da bala na calçada? Nojenta. Eu vi. 
   Mas o que somos quando ninguém nos vê? Somos iguais a ela. Somos nojentos só por estarmos respirando. É tudo trágico, meu bem. Mesmo estando na merda, sendo uma merda e vivendo entre uns merdas... Eu preciso sonhar quando coloco minha cabeça no travesseiro.

09/08

Título: Charles Bukowski

6 comentários:

  1. Por menor que seja a platéia, se ela há a nós eis no palco.
    GK

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  2. Te admiro tanto, nem João, nem Dionísio e qualquer outro saberiam admira-la assim.

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  3. Me lembrei de um filme bom sobre essas pequenas coisas que acontecem ao redor e que nos lembram que estamos vivos e as coisas acontecendo, acontecendo, acontecendo com uma continuidade de dar dó, porque não para, não faz uma pausa. E aí sedentos, paramos nós mesmos e só ouvimos, percebemos, escrevemos. O nome do filme é: O som ao redor. Ele quase não tem trilha sonora, quase só o som ao redor.

    Seu blog é o primeiro que eu procuro quando acordo em um dia bom para escrever - porque pra mim não são todos, eu tenho que acordar diferente, sentir o cheiro do tempo, o som, o frio, sentir um desejo de alguma coisa que eu não sei mas que aperta minhas entranhas, ou sentir alguma coisa aqui pelo lado de dentro que esteja pedindo pra sair -, e aqui encontro pedaços do real, pedaços de verdade. Quase estive aí, com esse taxista, com a mulher do papel na calçada, quase senti inveja dos pássaros também, quase senti as folhas caindo perto de mim. Quase coloquei a cabeça no seu travesseiro pra sonhar com você. Quase coloquei a cabeça no meu travesseiro pra sonhar com você.

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    1. André, pesquisarei sobre o filme. Me interessou pela sua descrição.

      Sobre seu comentário ao todo, fico devendo palavras... Nunca sei responder a altura, tenho até receio de não corresponder como deveria o tanto de compreensão que tenho por aqui. Fico mais aliviada por existir pessoas ainda vivas (ou mortas desde que nasceram, como minha postagem do Buk no fb)que sentem o mundo em suas costas e escrevem sobre isso para nao enlouquecer. ❤

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  4. Ai, Helen... Você equilibra tão bem essa doçura e acidez!

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  5. Não sei se passo a entender quando escrevo, mas ao menos divido a confusão. Acho que ninguém nunca realmente vê se não está disposto a enxergar a alma.

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