terça-feira, 30 de setembro de 2014

Eu não tenho mais salvação

Você destilou a minha vida
nesta paixão que é impossível viver
Os meses que não nos falamos
me convidam a conhecer
todas as coisas que não entendo
Você foi o poema das duas sílabas
e a insensatez desta jornada inteira
Nunca lhe vi, hoje percebo
que nunca o inventei
Jamais poderia criar 
tal força cosmogônica 
Planetas lhe cercam, você não quis ser meu Sol
Estrelas lhe preenchem 
Você é a noite escura
Sempre serás o Céu
E Seu
Você é seu
É também muito meu e não sabe
Te quero desde as poesias imemoriais
Desde os fados mais dramáticos
e sonetos desequilibrados
Te sonho desde que me vi acordando pra vida
quando escrevi teu nome com o maior zelo do mundo
Essa poesia existe desde quando
você foi batizado com o nome João.

domingo, 21 de setembro de 2014

Caio, encosta em mim para não me ver caindo

O adorno 
mais interessante dos últimos tempos,
se tornou a infecção mais apreciada
por todos que me viram sendo usada ou lhe usando

Me olhava no espelho,
sem dor alguma
Porém, a ferida estava ali
crescendo todos os dias

Sem odor algum,
só aquela vermelhidão 
da maçã que ninguém ousa tirar um pedaço
por temer estragar a personificação da beleza

Você foi o corpo estranho
que o organismo expulsou da minha pele
O que era bonito aos meus olhos
me corroía por dentro.

Sobre o título: Referência ao meu amado, quiçá amante espiritual, Caio Fernando Abreu.

quinta-feira, 18 de setembro de 2014

Poema para um desgraçado

Você me despiu
da minha delicadeza protegida 
para vestir-me com todo o cinismo existente

E todos os nossos disfarces
eu queimei com os restos da última carta
Eu paguei pra ficar no melhor camarote
para assistir o show que você nunca deu

Você me deve muito, rapaz
Depois de você, passei a invadir igrejas
Só para chorar em paz

Me incentivei a ficar nesse barco furado
Por gostar das causas perdidas
Mas as causas perdidas
é que se perdem de mim

Te escrevi dezenas
e mais dezenas dos mais profanos poemas,
pisoteei em sonetos, envergonhei a sanidade
e no fim
            [que não ousei escrever
Te aplaudi sem cobrar nada

Esse amor não vale vintém que seja,
esse amor não valeu este poema

Por todas as vielas que eu percorrer
daqui em diante, cuspirei teu nome nas valetas
à céu aberto
Porque estou abrindo meu coração pra dizer que,
você não valeu o meu nada.

sexta-feira, 12 de setembro de 2014

O senso de realidade degenerou toda a utopia remota

 O meu pesar de hoje tem vista privilegiada. Da sacada do quarto andar eu contemplo a pressa dessa cidade, as flores das sacadas mais próximas... Ainda tenho a visão do ônibus verde esquecido no outro lado da rua, os numerosos carros vermelhos tomando conta do estacionamento do edifício. O portão automático que não fica mais de cinco minutos fechado. O menino com a sua enorme mochila preta, sentado sozinho no playground, e tudo isso acalentado pelo frio agradável. E para além dos fios de eletricidade, eu vejo os campos que espiam a nossa urbanidade, o que faz-me sentir uma delicadeza indizível... Enquanto meus olhos são conduzidos para dentro do furacão e minha caneta dança traçando minhas letras tortas sob as linhas retas, imitando a vida nesse papel. 
   Sinto necessidade de ti, minha escuridão mais iluminada. Você nunca mais me leu, eu não mais te escutei. Mas continuo escrevendo como se fosse te ver no fim desse dia. 
Fui tão boa que, apodreci
Veja, sendo má, floresci  
Quis ser você, aí você se foi.

sábado, 6 de setembro de 2014

Estando aí eu fui embora de mim

   10 de dezembro do ano mais confuso que já tive seis horas de viagem garoa leve areia branca água gelada roupas molhadas ventania harmônica exposições culturais ansiedade evidente rios bem desenhados pela natureza igrejas monumentais sebos impecáveis os mesmos degraus que em outrora escrevi pessoas bonitas pessoas bonitas e despreocupadas o fedor de esgoto em frente ao único shopping daquela cidade minha saudade programada a visão estonteante do quarto andar da imensa janela daquela faculdade o pastel de queijo delicioso da cantina mais próxima meu desespero nada opcional as ruas largas e meu medo estreitando dentro de mim vontade de nunca mais ir embora depois bater na tua porta e dizer que a fantasia me fez ficar aquelas praças das suas fotografias me mostraram momentos que eu nunca irei ter a biblioteca pública abrigando milhões de estórias e histórias também abraçou a poesia que fomos eu não te vi mas o enxerguei em todas as esquinas mais desertas da sua cidade será que você me entende? me senti parte daquela população como se eu fosse inegavelmente mais alegre e maldita na sua urbanidade penso que em nome da mesma fantasia eu não o procurei e se te procurasse o que eu estaria escrevendo agora?


terça-feira, 2 de setembro de 2014

E só merece a vida o que é senhor da morte

Eu gosto do que não existe,
e essa coisa ou isso
está no escuro do quarto
quando apago a luz
E em todos os transeuntes
mais estranhos que
decoram as ruas
Essa coisa ressoa pela casa
quando todos dormem
Conversa comigo
quando estou 
com a caneta na mão
Isso que chamo
gentilmente de Coisa
me laça e me lança
ao sem volta
E eu volto
mas só por mim
Essa coisa
está nas gotas fracas
que escapam pela torneira
e nos gatos que desfilam
no meu telhado
A coisa 
está nos agudos
da Eva Cassidy
e em todos os homens,
que me olham com perdição
O que não existe
compõe o meu desespero,
acalenta minha covardia
Essa coisa
habita por detrás
dos meus olhos de pesquisa,
enquanto eu percorro
todas essas lápides
tentando achar o teu nome
Só pra saber se 
você está mesmo nessa vida.

Título: Cecília Meireles