terça-feira, 28 de junho de 2016

Escrevo o poema e iludo-me de que escapei à tristeza

Queria pedir para não deixar
eu te esquecer
Porque escrever sobre você
é melhor do que escrever
sobre qualquer outro
Até lavar roupas num domingo - bonito e ensolarado
de um quase inverno
se torna mais emocionante
Quando penso em você
Apesar de você nunca pensar em mim
E talvez nem me ler mais
Eu esqueceria de sua arrogância
Você poderia continuar
me mantendo nesse estado
de frenesi
Para a caneta dançar
na minha mão
Enquanto eu tento ser feliz
na ilusão de que você é bom
Não apenas bonito o bastante.

19/06

Título: Adélia Prado

domingo, 26 de junho de 2016

Deixa eu confessar essa vileza

Nossos lampejos
de sentimentalidades
não mata a fome mundial
Nossa arte
não conserta a desigualdade
Nem esmaece a corrupção
Nosso senso de justiça
não afaga os oprimidos
Como Leminski,
acho que jamais serei
poeta social
Tudo o que escrevo
é muito confessional e vil.

sexta-feira, 24 de junho de 2016

Eu tenho medo de me desfragmentar enquanto te escrevo

Talvez eu precise de um chá quente
Ou talvez precise que você saiba
agora]
que não consigo dormir
e estou lhe escrevendo esse esboço
Você bem que poderia se revirar na cama
agora]
Sentar por uns minutos,
enquanto meu nome desanuvia
na sua cabeça no escuro do quarto
Tenho a sensação que nunca acontecemos
Todas as imagens foram meramente inventadas
para meu prazer
Já que eu sonhava com você
desde o que parecia impossível
Você não sabe,
mas minha imaginação é perigosíssima
Eu te venero e te destruo
em questão de minutos
Quando você insiste
em passear
na minha cabeça no breu das horas
Você está rodeado de mulheres bonitas
e tão vis quanto sua imagem distorcida
nos espelhos dos banheiros sujos
dos lugares em que se mete
para retocar sua distração
Você se sente mais homem
Quando percebe estar sendo observado
por adolescentes que sustentam uma falsa segurança
em seus saltos altos e batom vermelho
Você tem medo de envelhecer, Dionísio
Medo de perder os olhares
Medo de não ser visto.


21/05

segunda-feira, 20 de junho de 2016

Para o dono da segunda letra do alfabeto

O menino tatuado e ideológico
Que lê Dickens e Orwell
Talvez ele seja
a minha atração mais autêntica
da cidade
Seu corpo rabiscado com palavras fortes
Não consegue ser mais forte
que minha vontade de toca-lo
Ele é o bloco de notas
de olhar castanho
O mesmo olhar que ontem
parecia me ver sem me enxergar
Escondo minhas pretensões
Porque ele é ao mesmo tempo
tão aberto e arredio
Nos dias que
me contava suas coisas
Me fazia vibrar de euforia
Atuo nesse teatrinho
de ser só mais uma amiga
Quando por dentro
me vejo beijando cada centímetro
de sua pele
O que sinto por ele
esbarra num erotismo intelectual
Que me faz gozar
só de imagina-lo nu
Refletindo sobre a sociedade parca
e corrompida
No mesmo segundo
que percorre os seus dedos em mim.

sexta-feira, 17 de junho de 2016

Eu tinha cada vez mais fome de sua bondade

   Veja bem, não é muito fácil deixar pra lá quando seu pai passa por mim e me cumprimenta. E quando eu distraída te vejo passar numa manhã comum há duas quadras da minha casa. São detalhes e acasos ínfimos que fazem eu acreditar que o destino ri mesmo da minha cara. As coisas que escrevi sobre você nas últimas semanas é o resultado da minha ânsia de delírio. Eu amontoo palavras com o que você me dá, você sempre me dispõe de algo, sem querer... Farelos de devaneios. 
   Não é fácil esquecer quando tenho certeza que sou obcecada desse jeito  por ter a Lua em Escorpião. Ah, meu bem... Quero mesmo lhe esquecer, porque bem nenhum você me faz. Eu tão diplomática estou correndo minhas linhas por alguém que não tem nem respeito por mim. Acho que estou merecendo todo o lodo que vem atravancando o meu caminho. O lodo sou eu. Não é você o problema, não se dê tanta importância. O problema é a minha sensibilidade, não aquela sensibilidade piegas e açucarada. Mas a sensibilidade que deposito no meu olhar sobre todas as coisas que insisto em ver como bonitas. 
   Meu coração apaga o que é feio. Meu coração não vê nada até bater no muro, estilhaçar em caquinhos e fazer clack! Meu som preferido poderia ser o riso de alguém perdido nalguma viela desse país, mas meu som preferido é do meu coração quando faz clack! E isso é tão recorrente.
   Você nunca foi bondoso comigo, por isso garantiu tantos poemas.


Título: Arthur Rimbaud

quarta-feira, 15 de junho de 2016

Se eu não fosse tão comedida, lhe diria que você me deve um orgasmo

Sinto que
não tenho mais o que escrever
Você usurpou de mim
todas as palavras bonitas

Não consigo admira-lo como outrora
Sinto náuseas de mim mesma
Por ter decaído tanto
Ao enxergar em você algo edificante

Você sujou minha vontade
de permanecer em alguém
Mostrou-me a outra face desse engano

Onde a verdade não liberta
e nem dói
Onde a poesia não remedia
e nem emociona

A urbanidade em sua natureza
coopera para manter-nos longe
Por mais que eu tente procurar
com meus olhos de saudade
seu contorno estático naquela esquina

Eu escrevi várias vezes
que lhe queria mais outra vez
E tive
Mas pela metade, você sabe

Então quero de novo
mais uma vez, para ser a última
Mesmo que isso me fulmine
ou não me cause nada.

terça-feira, 7 de junho de 2016

O poder, a maçã, a sina

Poderia ser mais
do que o frio na barriga
Ao avistar de longe
tal fachada vermelha
Poderia ser menos
do que as suposições - verídicas
feitas por todos
Ah, poderia...
E muito,
se quisesse
Poderia não rasgar
meu coração feito papel
Poderia ir contra toda
a superficialidade
Poderia não ser
meu desejo mais supérfluo
Poderia me entender
Com todas as palavras
ditas escritas e não pronunciadas
Poderia me ler
e me levar para o seu mundo
Mundo utópico
que criei no intuito
de separa-lo do rebanho
Poderia me querer bem
Como um dia dissera que queria
Poderia parar
de chamar a todas
de "querida"
Soa tão falso
E mesmo assim
faz oscilar de raiva
as chamas
do meu secreto inferno
Disse-me tantas coisas
esquecendo a profusão
do estrago
Nunca mensurando
que você também apodreceria
em minhas mãos
Mesmo que eu caísse tão baixo
Claro que caí
Claro que você apodreceu
Você é minha maçã reluzente
e podre no escuro
A mesma que alucinou
Caio e Clarice
Saiba, sinto coisas horrorosas
às vezes]
E me compadeço dos meus
Os meus que
se asfixiaram com o gás de cozinha
Os que
adentraram o rio com pedras nos bolsos
Os que
foram trancafiados por escreverem o amor
em suas diversas formas
As Jaciras
que viveram seus últimos dias
por entre muros brancos
Aos que abraçaram seus cânceres
como poema e não maldição
E escreveram escreveram escreveram
Até aonde a loucura permitiu
No final, todos lustramos
nossas maçãs apodrecidas
Descarta-las, seria não existir
E viver? Viver é outra coisa
Viver não cabe
para quem tem uma caneta entre os dedos.