domingo, 31 de agosto de 2014

O Domingo não espera nada, ao contrário de mim

Domingo passado,
amigos bêbados
músicas loucas
sofá quebrado
o filme que não assisti
a fumaça
dos nossos cigarros 
levava meu pensamento 
até você
Vozes e gritos
risadas escandalosas
querendo roubar 
meu devaneio 
Hoje, domingo
não sai de casa
Quero pensar em você
sem interrupções
Não há nada 
que eu possa fazer,
a não ser, escrever...

[sobre sofás e corações quebrados]

























Ilustração: Conrad Roset 

sábado, 23 de agosto de 2014

Eu subo para baixo

Por baixo do sangue,
das veias imundas
Além da natureza morta
pregada na minha parede
Olhos diabólicos 
me encarando no espelho
Aquele rosto 
me sorrindo a catástrofe 
mais ornamental
Nossa engrenagem movida à barro
querendo ser concreta
Enquanto a vida se esfarinha
por não decidirmos pelo medo
ou a maldade
A destruição é diária,
o amor é em conta-gotas
A morte nos espreita 
com tamanho zelo
E até nos brinda com a sarjeta
Os espasmos de alegria,
o cotidiano não perdoa
Aí nos contempla com
doenças e morfinas
e fraldas e sondas
A fantasia, 
a rotina não deixa passar
Nos condena com depressão 
e suicídios quase que teatrais
Somos o rebanho 
mal ordenhados
orgulhosos 
poeticamente abatidos
Somos os versos 
preguiçosamente escritos
só para preencher algumas linhas 
de qualquer livro
Estou me tornando essa pessoa oca
querendo renascer numa escultura barroca
Eu sou o teu fim
decretando o meu começo.

quinta-feira, 21 de agosto de 2014

Tu tu tu tu tu no meu coração

   Ontem eu amanheci naquela casinha de madeira verde, com os fundos para o campo mais verde ainda. Só faltou chover para o aroma de terra molhada inebriar o dia todo. Faltou você para completar o meu instante bucólico. Hoje prometi dormir mais cedo para ver se te encontro lá junto da chuva. Deixarei a velha janela aberta, para ter os minutos a mais da visão tua, antes de te escutar batendo em minha porta. Te namorarei por todo o trajeto, da cerquinha de arame farpado até lhe ver em frente ao fogão cuidando a água para o nosso café. Assim, eu te cuido, homem. 
   Você me dói, como todas as canções de Damien Rice e precisa saber disso. Você me preocupa, como todos os poemas que anseio por não ter tempo de escrever. Você me tem, como a harmonia que um dia tive, antes de saber o seu nome. Então, tenha misericórdia desse meu gostar campesino... Se o Sol nos agraciar amanhã, saia comigo de mãos dadas por entre essas laranjeiras e deixa eu te olhar como quem nunca sentiu a dor do amor mesquinho. 
   Depois sirva-se de mim, enquanto te faço poesia. Beije todo o meu corpo pequeno e esguio, na cama dos lençóis alvejados. Deixa eu lhe morder até o sangue lhe escapar da pele e grunhidos da boca. Escreva essa nossa atração louca dentro de mim. Me torne mais louca do que já sou. E se der tempo, enlouqueça urgentemente por mim. 


Título: Carlos Drummond de Andrade

segunda-feira, 18 de agosto de 2014

Não quero esfriar essa febre

Você se esquiva de mim
Tal como o Diabo da Cruz
E eu me pergunto em que ponto
esse gostar deixou de ser saudável
           Ou será sagrado?
Trocaria todos os infindáveis beijos
que ganhei que dei que desperdicei
Por você que não entende nada
                                     de mim
Todos os moços de bom coração
que ingenuamente me quiseram,
                     me fazem repudiar a ideia
                            dum romance sossegado
Até hoje eu só escrevo 
para o seu coração petrificado
Pois vivo na penumbra da possibilidade
                                                 perdida 
Eu que não te conheço, 
entendi que tu precisas de salvação
No meu ímpeto traço de benevolência, 
escrevi para lhe ajudar, ajudar a querer-me
Agora, aqui no fundo desse buraco negro 
da minha adoração                     
                           irrefletida
Peço que alguém jogue-me a corda
Enquanto decido se me salvo ou me enforco de vez.

sexta-feira, 15 de agosto de 2014

Essa cidade que me guarda, que me mata de saudade

Admirando os amores pela vitrine
Enquanto os garis limpam a agonia 
que eu deixo nas ruas por onde passo
                                                                ''E essas ruas não têm mais nada de mim''
Que trabalheira! 
Escrever o amor que nunca me tiveram
Meus vinte anos pesam o dobro,
quando dobro a esquina de casa
e ninguém me espera no portão. 

Título/Aspas: Três da madrugada - Gal Costa

sábado, 9 de agosto de 2014

Minha falta do que fazer resulta nisso

   Eu fico aqui pensando que só posso contar comigo mesma, e quem sabe com todos os livros espalhados nos meus armários e embaixo do travesseiro. Ontem antes de dormir eu não consegui ler, porque deitei a cabeça e fiquei lembrando de você rindo só para mim e isso não vai mais acontecer. A ressonância disso nos meus dias, abala mais do que a minha estrutura emocional. E as sensações ruins são as únicas que me acompanham. 
   Exemplificando as mesmas, são coisas do cotidiano, sabe? Coisas que nunca darão certo, coisas que demorarão para se concretizar, pessoas boas demais, pessoas que gostaria de desconhecer, sentimentos que queria muito nutrir, outros sentimentos que abomino em mim mesma... Aquele vazio bonito e existencial de cada dia... O que desencadeia muitas outras coisas tristes e até indizíveis.
Deixa-me dizer que você foi o sabonete que eu gostei de apertar com as duas mãos pra vê-lo escorregar e cair no chão e nunca se desmanchar, não por mim. Fazia isso para me dar o encantador e árduo trabalho de tê-lo nas mãos já sabendo que não poderia me pertencer. Não assim, e pra me enganar digo que não agora. Mas então quando? Se deixamos o abismo entre duas cidades nos engolir... Seria fraqueza? Será uma Ilusão escrita não por mim, mas por todos os Deuses que em outras vidas desapontamos? Creio que só eu esteja pagando por isso agora.
A doença de cultivar uma veneração por alguém assim, assim tão singular e autossuficiente. Oscar Wilde escreveu que, uma grande paixão é privilégio dos que não tem nada para fazer. Eu parafraseio Drummond e digo que, a paixão tal como a poesia deste momento, inunda minha vida inteira.